Com a contenção financeira a tomar conta do horizonte estratégico do Benfica, a Luz verá, na temporada vindoura, a nascimento definitivo de um novo paradigma de gestão financeira e desportiva onde as contratações onerosas darão lugar a uma assertiva política de aproveitamento das mais-valias formadas na academia do Seixal e também dos jovens talentos que, após terem captado a atenção do gabinete de prospecção, poderão entrar nas contas do plantel 2015/2016.

São inúmeras as afirmações de Luis Filipe Vieira no sentido de apressar Jorge Jesus a mudar as coordenadas de voo do seu Benfica - ao longo dos últimos três anos, a direcção encarnada tem reiterado a vontade de construir um plantel baseado nas opções jovens que se vão destacando na recheada academia da águia, mas, atraídas pela necessidade premente do sucesso, tanto a cúpula directiva como a cúpula técnica têm adiado sucessivamente a tal mudança de coordenadas.

Assim, as promessas infindáveis de aposta nas camadas jovens têm caído em saco roto, e, a única grande diferença em termos de gestão tem sido, efectivamente, a rentabilização económica de activos provenientes da já forte e bem estruturada academia do Seixal: André Gomes e Bernardo Silva são exemplos dessa política vendedora. Ora, o retrato cronológico dos factos diz-nos que, apesar da vontade da direcção encarnada em ter jogadores da sua formação no plantel A, o único destino que tais activos têm tido é a saída do Benfica - uns vendidos a bom preço, outros emprestados e, outros, ainda, totalmente ignorados.

Caso dúvidas existissem, as decisões tomadas pela equipa técnica de Jorge Jesus apenas vieram confirmar que a confiança nos jogadores da formação não era visível. Se Vieira previa e insistia numa aposta clara nas camadas jovens como parte integral do plantel, Jesus assim não concordava, relegando constantemente a condição dos jovens (com declarações menos avisadas e por vezes displicentes) e atrasando a sua ascensão à equipa principal - com ou sem razão? Isso é outra problemática, do domínio da subjectividade. A verdade é que Vieira pediu aposta na formação e Jesus atrasou a mudança de paradigma até outro caminho não ser possível. Esse caminho é, agora, mais urgente que nunca.

Com a crise financeira ainda em pleno reinado, com as graves derrocadas do sistema financeira luso (BES faliu e abanou a arquitectura do crédito possante e seguro) e as depreciações dramáticas na estrutura dos patrocínios (PT abandona a posição que outrora detinha), o Benfica vê-se obrigado a mudar os seus hábitos administrativos e desportivos, olhando para 2015/2016 com olhos mais comedidos, refreando a cobiça do mercado de transferências e diminuindo o investimento em jogadores de calibre elevado. Obviamente, haverá lugar para contratações dispendiosas (uma ou duas, no máximo) mas estas terão de ser efectuadas com graus de certeza elevados e expectativas de retorno rápido - na formação estará o vector constante da nova anatomia benfiquista.

A questão que se coloca: estará Jorge Jesus pronto para alterar os seus hábitos técnicos, operando uma revolução na forma de dirigir a equipa encarnada? A forma atenta como tem seguido a formação B dos Benfica indica que sim; mas, tendo em conta o seu passado na Luz, não é fácil imaginar uma ruptura total com os procedimentos antigos; ainda assim, Jesus tem um trunfo qualitativo a seu favor: sabe potenciar as qualidades da sua mão-de-obra e já provou ser capaz de moldar os jogadores às suas necessidades técnicas e tácticas - os caso de Coentrão, Enzo e mais recentemente, de Pizzi, reflectem tal capacidade.

Depois de tantas promessas, 2015/2016 deverá mesmo ser a temporada de mudança de paradigma na Luz. O ano de 2013/2014 mostrou já, no seu término, que o Benfica vive com a necessidade urgente de realizar encaixes financeiros que amenizem a difícil turbulência económica do clube (mais de 400 milhões de passivo) - Markovic, Oblak, André Gomes, Garay, Cardozo, Matic, Rodrigo e, mais tarde, Enzo, foram saídas imperativas, cruciais para equilibrar as contas da SAD. Muitos afirmam que o Benfica actual está longe de poder competir com o de 2013/2014. E com razão. No fundo, tal disparidade não é mais que um gradual reajustar de abordagens. 

A próxima temporada poderá, de facto, ser o marco da viragem na política desportiva e financeira do Benfica. Após seis anos de investimentos avultados na procura de sucesso desportivo, a Luz vê-se forçada a tirar o pé de acelerador, gastando menos e centrando prioridades na formação, onde, após excelente trabalho contínuo, o Benfica tem um dos melhores viveiros da Europa em termos de aprendizagem e progressão futebolística, esbatidas que estão as diferenças em relação à famosa e brilhante academia de Alcochete. Se a realidade económico-financeira obrigou o Benfica a mudar de rumo, também a vertente desportiva ajudou à vindoura alteração.

Com a política de forte investimento em contratações de calibre internacional, a verdade é que o Benfica falhou em singrar de modo condizente com a pujança qualitativa dos jogadores que teve ao seu dispôr durante os seis anos de reinado da parceira Jorge Jesus/Luis Filipe Vieira - que outro treinador do Benfica teve, no século XXI, tamanho leque de atletas talentosos como Jesus? Em seis anos, o Benfica subiu para níveis astronómicos o investimento da equipa principal, ora contratando jogadores de créditos firmados, jogadores extremamente promissores e outros que, apesar de caros, nunca deram retorno financeiro/desportivo ao clube.

Mas, em seis anos, o melhor que o Benfica poderá aspirar em 2014/2015 será equiparar sucessos e falhanços no campeonato nacional, o tal grande objectivo da dupla Viera/Jesus. Após três falhanços e duas consagrações, o Benfica de Jesus vê-se obrigado a ser campeão, para, assim, igualar sucessos e derrotas. Caso falhe, Jesus construirá no Benfica meia dúzia de anos feitos de um rácio deficiente - quatro derrotas na Liga contra dois triunfos, algo que estará longe de reflectir todas as potencialidades dos plantéis à sua disposição desde 2009/2010. Se olharmos para a lista de jogadores que Jesus treinou, vemos que nada faltou para que treinador atingisse o sucesso interno e, até, maior carisma europeu na «Champions».

Em 2009/2010 Jorge Jesus atacou o campeonato com craques de nomeada como Nuno GomesJavier Saviola, Pablo Aimar, Oscar Cardozo e Ramires, juntando a estes atletas em ascensão como Fábio Coentrão, Javi García, Angel Dí Maria e David Luiz. O sucesso interno foi resplandecente. No ano seguinte a aura desmoronou: André Villas-Boas escorraçou o Benfica e  chegou mesmo a humilhar as águias (5-0 para a Liga e 1-3 na Luz, para a Taça) - Jesus tinha no plantel jogadores como Roberto Jímenez (pedido de JJ que custou 8 milhões),  Coentrão de créditos firmados, David Luiz até Janeiro, Javi Garcia estabelecido como grande trinco, Aimar, Saviola, reforços Nico Gaitán e Salvio, Cardozo na frente.

Na temporada 2011/2012 os encarnados voltam a mudar de guarda-redes (Artur Moraes substituiu o flop Roberto) e ganham Ezequiel Garay, central de nível internacional, Axel Witsel, médio cobiçado por meia Europa à data, Nemanja Matic, Enzo Pérez, ambos ainda em potência, tal como Rodrigo. Ainda com Saviola, Aimar, e Gaitán em processo de afirmação (Salvio regressou à base) o Benfica fracassou na Liga e foi ultrapassado pelo FC Porto de Vítor Pereira. Na temporada seguinte, novo falhanço, agora com contornos dramáticos: o Benfica perde no Dragão, nos segundos finais, o título que parecia já realidade. Com uma dupla de centrais de calibre internacional (Luisão e Garay) e um meio-campo de fazer inveja a mais de meio mundo (Matic e Enzo), Jesus não foi capaz de levantar, nem o troféu de campeão nacional nem a Taça de Portugal. 

A consagração de 2013/2014 veio reforçar a liderança de Jorge Jesus mas a vitória no campeonato não era menos que exigível e obrigatória: caso tivesse frustrado a luta pelo título, o Benfica completaria uma mão cheia de anos de Jesus com apenas um triunfo apenas na Liga, num período em que gastou como nunca havia gastado na História. O bicampeonato, que é objectivo crucial de Jesus, fechará um ciclo financeiro que poderá não se voltar a repetir tão cedo - menos investimento em importações de qualidade reconhecida e mais aproveitamento da prata da casa; será Jesus o homem para a empreitada?

Crónica VAVEL