Portugal e Luxemburgo marcavam encontro em Coimbra com toda a narrativa do apuramento para o Mundial de 2014 praticamente escrita: os comandados de Paulo Bento tinham no play-off uma quase certeza que só um inesperado twist no enredo poderia alterar, caso vencessem por 6-0 os luxemburgueses (e se desse ainda uma vitória do Azerbeijão sobre a Rússia); da sua parte, o Luxemburgo tinha praticamente certo o seu último lugar no Grupo F e jogava, portanto, mais para cumprir calendário do que por acalentar a distante esperança de bater a selecção das quinas e, assim, aspirar a fugir ao fundo do seu grupo de apuramento.

Portugal contra Joubert

Alimentando o improvável sonho de ainda garantir o apuramento directo para o Mundial de 2014, Portugal entrou forte, subindo bastante no terreno de jogo e com boa produção ofensiva. As boas trocas de bola entre o meio-campo e o ataque, com transições rápidas, e mesmo na ausência de singulares brilhantismos, foram mais do que suficientes para ultrapassar a frágil e amadora selecção luxemburguesa. Ainda que perante um adversário inferior, foi notória, desde o apito inicial, a diferente atitude dos jogadores portugueses.

O bom caudal ofensivo que Portugal ia conseguindo, muito através de um Moutinho bem mais inspirado do que o que jogou frente a Israel, verdadeiro capitão da nau verde e vermelha, assim como um Varela a dar alguma velocidade e fluidez ao flanco esquerdo do ataque e um Nani atento, irrequieto, numa clara melhoria de forma face ao encontro transacto, ia criando situações de perigo minuto após minuto, que só esbarravam nas mãos seguras de Joubert. O guardião luxemburguês, porém, parecia apenas adiar o que se adivinhava, pela quantidade de vezes que os comandados de Paulo Bento levavam a bola à área adversária, e sem que o Luxemburgo conseguisse retribuir.

Aos 27 minutos, uma entrada feroz de Aurélien Joachim, com os pitons da bota sobre a canela de André Almeida, não levantou dúvidas ao árbitro turco, que deixou o Luxemburgo reduzido a dez unidades. A garantia da inviolabilidade das redes luxemburguesas chamava-se Joubert e não Joachim, mas a verdade é que tudo se tornou mais fácil, e três minutos depois Portugal fez o primeiro golo: à passagem da meia hora de jogo, Moutinho rasga um passe para a desmarcação de Varela, que se escapa a um defesa luxemburgês à entrada da área, puxa a bola para a direita de Joubert e, com o guarda-redes desposicionado, atira para a baliza sem oposição. Depois de rompida a muralha de Joubert, Portugal não mudou de postura, e aos 36 minutos, numa bonita jogada de entendimento da selecção das quinas, marca pela segunda vez. Dentro da área luxemburguesa, Nani adianta Moutinho, que lhe devolve a bola com um toque de calcanhar para o centro da área, de onde o extremo português remata forte ao ângulo superior esquerdo da baliza de Joubert.

O jogo tinha apenas um sentido, e aos 41 minutos ficou por mostrar novo cartão vermelho, desta feita a Philipps, após perigosa entrada por trás sobre Nani, com os pitons sobre a barriga da perna, quando o jogador português procurava isolar-se. O árbitro, ao invés do que prescrevem as leis, decidiu apenas pelo amarelo e marcou livre à entrada da área luxemburguesa. Josué cobra o livre, Joubert opõe-se, a bola sobra para Ricardo Costa, mas Portugal não consegue concretizar. O Luxemburgo, remetido à defesa durante a quase totalidade do primeiro tempo, não contou com mais de três incursões à área lusa, mas sempre sem conseguir incomodar. Foi apenas no tempo de compensação que Mutsch obrigou Patrício a redobrar a atenção, na conversão de um livre directo, com o guardião nacional a agarrar a dois tempos. 

Pouco acerto para quem muito produziu e de mais necessitava

No reatamento do encontro, Portugal entrou novamente bem e criando sucessivas situações de perigo, com cruzamentos puxados à baliza, mas com os jogadores portugueses a chegarem uma e outra vez um tudo-nada atrasados aos lances. Aos 57 minutos da partida, Paulo Bento reforça o ataque, fazendo Hugo Almeida entrar para o lugar de Miguel Veloso, e sendo forçado a mexer no centro da defesa, por lesão de Ricardo Costa (entrando Sereno). Apesar de experimentar a abordagem ao jogo com dois avançados, Portugal refreeou o seu ímpeto ofensivo, e o Luxemburgo fez-se notar, com um par de remates com algum veneno a alertar Rui Patrício. De facto, Portugal jogava agora mais lento, num ritmo mais morno, apenas pontuado por um ou outro fogacho de criatividade de Nani ou, sobretudo, de Moutinho, verdadeiro condutor de jogo da selecção nacional na noite de Coimbra.

Numa fase menos característica do jogo, a selecção portuguesa desperdiçava mais do que podia para atingir o objectivo dos 6-0 que poderiam carimbar um apuramento directo em caso de triunfo do Azerbeijão sobre a Rússia. Aos 71 minutos, Nani cabeceia com força, mas a barra colabora com Joubert e o perigo passa. Aos 75 e aos 85 minutos, Hugo Almeida, que tornou a passar ao lado do jogo (como, é necessário frisá-lo, em tantas outras partidas da equipa lusa), protagonizou duas perdidas clamorosas: primeiro, isolado a passe de Nani, o ponta-de-lança português falha o cabeceamento frente a Joubert; e depois, a cruzamento rasteiro de André Almeida, o atacante luso do Besiktas, a um metro da baliza deserta, dispara à barra, que novamente fez as vezes de Joubert. Antes disso, porém, Portugal somava já três tentos, com Postiga a não dar hipótese ao guardião do Luxemburgo, num remate cara-a-cara, e novamente a passe para desmarcação de Moutinho, que será unanimemente considerado como o Homem do Jogo.

A alteração de táctica nada trouxe a Paulo Bento, e ainda que o caudal ofensivo se tenha conseguido manter e que, a espaços, tenham existido bonitas execuções, fica a clara sensação de que Portugal deveria ter feito mais na persecução do que a si lhe cumpria: bater a insuficiente equipa do Luxemburgo por números mais expressivos que colocassem as possibilidade de apuramento directo da selecção lusitana nos pés dos jogadores do Azerbeijão, contra uma Rússia que se mostrou superior e, ainda assim, mais coerente aos longos dos jogos disputados. Postiga eclipsou Hugo Almeida, e momentos houve em que os avançados pareceram mesmo ocultar-se um ao outro. Fica a ideia de que Portugal se apresentou sempre mais perigoso com apenas um homem mais adiantado no terreno.

A Portugal resta agora esperar pelo sorteio da próxima segunda-feira 21 de Outubro, de onde sairá o adversário do play-off, que se interpõe entre o que se espera seja uma nova descoberta do Brasil por Portugal, em 2014. Uma certeza fica, depois de tudo isto, no ar: seja no play-off seja no Mundial, Portugal terá forçosamente de ser mais incisivo. A quantidade atrai sempre, e o domínio do jogo satisfaz, mas a qualidade, isto é, a eficácia e a inteligência do jogo, será sempre preferida quando é de um resultado final, pura álgebra, de que se fala. Importará, sobretudo, que a equipa não perca, no mar alto de um caudal de jogo volumoso, o objectivo e o destino da sua ambição.